A expectativa de analistas do mercado financeiro compiladas no Boletim Focus, do Banco Central (BC), divulgado ontem, apontou alta de 4,39% para 4,5% —em apenas uma semana — na previsão para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É a primeira vez no ano que a projeção atinge o teto da meta de inflação, que é de 3% mais 1,5 ponto percentual de tolerância para baixo ou para cima.
E o pior: dólar 17,5% mais alto no ano e a seca que ainda pressiona preços de energia e alimentos, como a carne, podem levar o índice de preços a ultrapassar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2024.Ontem a moeda americana encostou em R$ 5,70.
— Quando se olha para a frente, é difícil ter otimismo. O dólar dificilmente vai cair fortemente, não está chovendo, e o preço da carne não vai voltar a cair tão cedo. Uma coisa que poderia ajudar é a queda do preço do petróleo, mas com o dólar nesse nível e a tensão no Oriente Médio, é difícil ter alívio por aí — afirma Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, que revisou sua projeção para a inflação de 2024 de 4,40% para 4,60%.
Daniel Xavier, economista-chefe do banco ABC Brasil, ainda prevê IPCA de 4,5% este ano, mas diz que o número “está no limite”. Ele avalia que uma pequena alteração no quadro atual levará a taxa a estourar o teto da meta, o que obrigaria o presidente do Banco Central a divulgar, no início do ano que vem, uma carta aberta explicando os motivos do não cumprido do objetivo fixado para 2024.
Caberia a Gabriel Galípolo, o indicado pelo presidente Lula que assumirá o comando do BC em janeiro de 2025, redigir o documento.
— Daqui até o fim de ano, as previsões devem ficar oscilando no teto de 4,5%. Há uma rigidez inflacionária. Se o câmbio ficar em R$ 5,70 (ontem fechou a R$ 5,69) e as passagens aéreas subirem mais do que o esperado no período festivo de fim de ano, a inflação vai para cima. Estamos vivendo no limite no IPCA — afirma Daniel Xavier.
Os analistas também subiram a previsão de inflação de 2025, de 3,96% para 3,99%. De acordo com Fábio Romão, economista sênior da LCA Consultores, o principal vetor para a subida das estimativas é a alimentação no domicílio.
No fim de agosto, há um mês e meio, a previsão era de alta de 4,9% no ano. Agora, está em 7%. Leal, da G5 Partners, projeta 8% para esse grupo de produtos.
Os alimentos mais pressionados são as carnes, cujas projeções de preços dispararam. Em 23 de agosto, Romão previra alta de 1,3% no ano. Na última quarta-feira, revisou para 8%. Leal também subiu sua estimativa para a inflação cheia por causa das carnes.
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— Além da entressafra (o pasto fica seco e o pecuarista tem que alimentar o gado com ração, com um custo maior), o preço da arroba caiu nos dois últimos anos. Isso levou pecuaristas a abaterem matrizes, o que diminuiu a oferta de carne. Não é um problema só da seca. O preço da arroba do boi subiu quase 16%. Já apareceu 6% no atacado, 2% no varejo. Vai continuar subindo — explicou Leal.
Dólar e preços industriais
Outro impacto da seca se deu na conta de luz. Para este mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fixou bandeira vermelha 2, que acresce R$ 7,87 a cada 100 kWh consumidos. A medida veio para economizar água nos reservatórios das hidrelétricas.
— Não faz muito tempo, previa-se bandeira verde (sem acréscimo na conta de luz) no fim do ano. Agora, há um bom número de analistas já prevendo vermelha 1 (R$ 4,46 de acréscimo) — afirma Romão.
Efeito Trump
Já os efeitos da alta do dólar na inflação têm se mostrado nos bens industriais, afirma Romão. O grupo de produtos, que praticamente não subiu o ano passado (1,1%), deve aumentar 2,5% este ano. Em janeiro, o economista projetava dólar a R$ 4,97. Ontem, a moeda americana chegou a atingir R$ 5,70 e recuou um pouco no fechamento a R$ 5,69.
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Só em outubro, a divisa americana valorizou, frente ao real, quase 5% . No acumulado do ano, o dólar acumula alta de 17,5%.
A cotação voltou a patamares não vistos há mais de dois meses, por causa de expectativas de que o republicano Donald Trump ganhará as eleições nos EUA.
O protecionismo econômico, pauta do republicano, tenderia a aumentar a inflação no país. Com importados mais caros com a imposição de taxas e restrições a produtos estrangeirosos, especialmente chineses, os preços subiriam, exigindo que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) mantivesse os juros altos por mais tempo. Isso tenderia a valorizar a moeda americana.
— Os títulos americanos começam a subir e com preços bem atrativos. E aí os investidores optam pelo dólar, que é um porto seguro mundial — diz Elson Gusmão, diretor de câmbio da Ourominas.
Política fiscal no radar
O dólar valorizado também reflete desconfiança quanto à condução das contas públicas no Brasil. Para Alexandre Viotto, gerente de câmbio da EQI Investimentos, a possibilidade de o dólar alcançar R$ 6 se torna cada vez mais próxima:
— Estamos caminhando para o câmbio a R$ 6. A cada dia que passa o mercado tem mais dúvidas quanto ao cumprimento do arcabouço fiscal, uma política consistente de corte de gastos, e de que o governo precise cumprir o arcabouço sem contar com receitas extraordinárias. É o principal ponto de interrogação.
O avanço maior do dólar por causa da preocupação fiscal vai se refletir nos preços, diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimento.
— Com o risco fiscal, a expectativa é de que a gente continue assistindo uma pressão na taxa de câmbio — afirma Abdelmalack.
No Focus, a mediana das projeções para o dólar em 2024 avançou de R$ 5,40 para R$ 5,42, enquanto a de 2025 ficou nos mesmos R$ 5,40 da semana anterior.
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