Investimentos

Artigo: A urgência de bons projetos para enfrentar os desafios climáticos

Malu Nunes*

As mudanças climáticas já alteram a dinâmica de muitas cidades, trazendo grandes desafios a serem superados diante de tempestades, secas severas, ondas de calor e outros eventos extremos. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2024 tem tudo para ser considerado o novo ano mais quente da história. Enquanto o mundo acompanha as negociações da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), realizada no Azerbaijão, as manchetes alertam para um futuro muito desafiador e cada vez mais complexo, especialmente para os países menos desenvolvidos, que estão mais vulneráveis às consequências de um clima extremo.

Como resposta para um quadro que vem se agravando, as nações em desenvolvimento clamam por mais financiamento para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. É justo que a busca por recursos financeiros, especialmente provenientes dos países mais ricos e que mais contribuíram para que chegássemos ao quadro atual, seja um dos temas prioritários nesses fóruns internacionais. Entretanto, tão importante quanto a busca pelo dinheiro é a clareza sobre o realmente precisa ser feito em cada país, em cada território.

Observamos que a adaptação eficaz para essa nova realidade carece de projetos robustos e estruturados, reunindo conhecimentos e experiências de diferentes áreas e setores da sociedade. Mas quais são as soluções mais acertadas? E, sobretudo, como não repetir erros do passado em locais já afetados por eventos extremos que tendem a se repetir e, talvez, com mais força?

O trabalho conjunto e integrado entre autoridades, especialistas, universidades, organizações da sociedade civil, investidores e empresários, cada um contribuindo com seu know-how, aponta para a elaboração e execução de projetos que atendam às demandas climáticas de cada região. Enquanto a luta para reduzir as emissões de gases de efeito estufa exige uma governança global, a adaptação às mudanças climáticas sempre deve ser local, pensada a partir das características de cada território.

Representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) alertaram, ao longo deste ano, para a dificuldade em elaborar planos para a reconstrução de locais impactados por eventos climáticos extremos. Não bastam apenas recursos para reduzir transtornos imediatos, é necessário que administradores, antes de tudo, estruturem e apresentem projetos qualificados e habilitados para financiamento.

É aí que o modelo de ação conjunta e compartilhada pode fazer toda a diferença. Nessa proposta de atuação coesa, é possível apontar iniciativas cujo modelo pode contribuir e servir de inspiração na proteção de regiões brasileiras sensíveis às instabilidades climáticas. Programas pioneiros, como o Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades, realizado pelo WRI Brasil em parceria com a Fundação Grupo Boticário, entre outros parceiros, precisam ser incentivados e ganhar mais escala.

A experiência mostrou que é necessário, e possível, criar ambientes para a colaboração, a capacitação e o desenvolvimento de ideias e soluções para desafios climáticos nas diferentes realidades do nosso país. É preciso investir em tempo de qualidade para que profissionais que atuam em diferentes áreas do poder público possam se desenvolver com mentorias e orientações técnicas e possam cocriar, aperfeiçoar e buscar soluções inovadoras, aplicáveis e com potencial de escala para contribuir no enfrentamento de desafios ambientais contemporâneos.

Outra lição aprendida é a certeza de que, para qualquer projeto idealizado para conter os efeitos das mudanças climáticas, devemos apostar nos benefícios das soluções baseadas na natureza. É preciso, por exemplo, aumentar a capacidade de infiltração da água no solo, conciliar a infraestrutura convencional — cinza — com soluções verdes, como parques alagáveis, lineares e jardins de chuva. Sem esquecer de iniciativas individuais, como a captação da água da chuva em empreendimentos industriais, comerciais e residenciais, além dos telhados e paredes verdes.

Diante da dificuldade em estruturar projetos relacionados às emergências ambientais nos municípios, o Plano Clima, em desenvolvimento pelo governo federal, precisa estar conectado com a percepção local, em diferentes setores da sociedade, para chegar a uma política climática brasileira consistente e exequível para ser efetivamente praticada nos próximos anos.

Esse movimento também deve ter participação da iniciativa privada. O conceito de ESG — compromisso público de corporações considerando maneiras de reduzir o impacto ambiental que suas ações provocam e aumentar os benefícios sociais e melhorar a gestão de seus processos, com foco na transparência — ganha espaço na proposta de coparticipação de empresas na idealização de projetos de adaptação. Para isso, as organizações podem identificar vulnerabilidades na realidade em que estão inseridas e elaborar planos de adaptação e operação com potencial de transformar seu entorno, desde que a empresa assuma papel de articulador de recursos e na governança das ações.

A cooperação de diversos segmentos da sociedade, com ações coordenadas e integradas que vão além do esforço das autoridades locais, torna-se uma exigência para enfrentar a nova realidade que vivemos. Também requer visão sistêmica, entendimento sobre as causas e consequências dos eventos climáticos extremos, compartilhamento e associação de experiências e conhecimentos multissetoriais para a criação e implementação de alternativas inovadoras e duradouras. Infelizmente, temos pouco tempo para ajustar a nossa rota…

Membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza*

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