Levantamento da Companhia de Estágios, empresa de recrutamento e seleção de estagiários, trainees e jovens aprendizes, revelou crescimento de 520% nas contratações de estagiários negros entre 2018 e 2024. Nesse mesmo período, mais de 3.200 jovens negros ingressaram no mercado formal por meio de programas de estágio, e a projeção é de que esse número alcance 3.500 até dezembro deste ano, um aumento de 6% em comparação com 2023.
A pesquisa, que é parte do Mapeamento dos Estagiários Negros no Brasil 2024, analisou um banco de dados com informações de 14 mil estudantes de várias regiões do país, matriculados em cursos técnicos e superiores. Entre as principais tendências apontadas, está o aumento da presença de mulheres negras, que hoje representam 60% dos estagiários pretos e pardos contratados, e o crescimento de contratações de jovens sem experiência prévia, que passaram de 23% em 2018 para 66% em 2024.
Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágios, atribui esse crescimento ao fato de as empresas passarem a considerar cursos de curta duração e a oferecer programas de aprendizado ao longo do estágio. “As empresas passaram a olhar para o tema e buscar ter contratações equilibradas, 50% de homens e 50% de mulheres, 50% de negros e 50% de brancos e assim por diante. O que também contribuiu foi que as empresas passaram a considerar cursos tecnólogos (com duração de 2 ou 3 anos) em vez de apenas bacharelado (com duração de 4 e 5 anos) e passaram a oferecer cursos de excel e inglês em vez de exigir logo de cara”, disse.
Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágio: “Empresas passaram a considerar cursos tecnológicos”
Outro dado relevante é que, em 2024, 91% dos estagiários negros contratados estão matriculados em universidades particulares, enquanto, entre os estudantes brancos, a proporção é de 81%. O aumento da oferta de cursos a distância (EaD) e a queda nos custos das mensalidades têm contribuído para essa mudança. Segundo Tiago, mesmo com a redução de vagas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) pelo governo, a concorrência no setor de educação cresceu.
“Isso, somado aos cursos EaD, fez com que houvesse uma grande oferta de cursos a preços mais baixos. Quem se beneficiou foram os estudantes que têm mais possibilidades de escolha e valores bastante acessíveis, a partir de R$ 150 por mês”, aponta.
O curso mais procurado por estudantes negros é administração, responsável por 15,54% das matrículas, seguido por engenharia civil, que registra 9,13%, e marketing e comunicação, com 5,61%. Entre as instituições privadas com maior representatividade de jovens negros aprovados em processos seletivos de estágio, destacam-se a Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), representando 6,29%, a Universidade Nove de Julho (Uninove), com 4,61%, e a Universidade Paulista (Unip), 4,16%.
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Segundo o estudo, as mulheres negras têm se destacado no mercado de estágios, representando 60% dos estagiários negros contratados em 2024. Esse número revela um crescimento de 6% em relação ao ano anterior, indicando avanços na inclusão de mulheres negras em programas de estágio. Com idade média de 23 anos, elas também refletem a maior presença no ensino superior, no qual representam 57% dos estudantes matriculados, contra 43% de homens.
A estagiária da Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) Larissa Assunção, 25, estudante de gestão pública do Instituto Federal de Brasília (IFB), faz parte dessa ascensão das jovens negras nas empresas. “Fiquei muito feliz porque, inicialmente, imaginei que poderia enfrentar desafios relacionados à minha cor ou ao meu cabelo, mas, felizmente, isso não aconteceu. Foi uma experiência bastante positiva”, conta.
Na opinião de Larissa, o aumento de 520%, em sete anos, da presença de jovens negros no mercado de trabalho é resultado de uma “luta histórica por inclusão”, e que, cada vez mais, as empresas privadas e públicas estão percebendo que a cor da pele não interfere no desempenho profissional. “As redes sociais e os meios de comunicação têm dado mais visibilidade a essa causa, ajudando a desconstruir, aos poucos, o racismo estrutural e os preconceitos, além de incentivar mudanças nas empresas de diferentes setores. Além disso, nossa busca por mais qualificação, conhecimento e aprendizado também tem contribuído para aumentar nossa presença no mercado de trabalho”, avalia.
Nos últimos anos, as organizações têm priorizado habilidades comportamentais e socioemocionais em processos seletivos, buscando entender o potencial e o interesse dos jovens além de suas qualificações técnicas. Essa abordagem tem ampliado e facilitado a entrada deles em diversas áreas, como marketing e comunicação (16,89%), engenharia civil (9,87%) e setores comerciais (7,24%), que são as que mais contratam estagiários negros.
Além disso, o número de empresas que oferecem treinamentos estruturados cresceu significativamente. “Em 2019, 50% das empresas tinham programas de treinamento. Hoje, são 90%, com cursos presenciais e on-line”, destaca Tiago, citando também que as empresas estão, cada vez mais, preferindo os interesses e as habilidades dos candidatos do que “onde ele estuda, o ano da graduação, o nível de inglês e excel”.
A proficiência em inglês continua sendo um diferencial importante nos processos seletivos, segundo Tiago, mas a pesquisa evidencia, ainda, disparidades significativas entre candidatos negros e brancos. Apenas 11% dos estagiários negros contratados possuem fluência no idioma em nível avançado, enquanto esse índice sobe para 28% entre os brancos. Por outro lado, no nível intermediário, os números se aproximam, com 23% para negros e 20% para brancos.
Apesar dos avanços, o mercado de trabalho para estagiários ainda é altamente competitivo, com relação de até 200 candidatos por vaga em alguns casos. “Alguns processos chegam a ter relação de 200 candidatos por vaga, o dobro da concorrência do vestibular de medicina da Universidade de São Paulo (USP), o mais concorrido do país”, compara o CEO.
Apesar desse cenário, o especialista acredita que a tendência para os próximos anos é que as empresas continuem procurando por diversidade na hora de montar sua equipe de estagiários. Larissa disse que, embora não tenha percebido iniciativas específicas voltadas para a inclusão de jovens negros, notou que há muitos outros estagiários negros na CGDF. “Isso me trouxe uma sensação de pertencimento e me fez sentir mais à vontade”, expressa.
A solução, segundo Tiago, passa pelo crescimento econômico e por políticas públicas que garantam um ambiente favorável para investimentos. “Por mais que as empresas estejam bem intencionadas, que diminuam requisitos dos processos, não há vagas para todos. Só teremos geração de mais vagas com o crescimento do país e quando a insegurança política, financeira e jurídica, causadas por nós mesmos, deixarem de trabalhar contra o futuro do Brasil”, conclui.
*Estagiário sob a supervisão de Marina Rodrigues
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