A pintura de paisagem é uma espécie de coluna vertebral da obra de Luiz Zerbini. Praticamente toda a elaboração do artista passa por encarar os horizontes e o que neles está plantado, seja natural ou não. E foi esse o caminho tomado pela curadora Clarissa Diniz para selecionar as obras da exposição Luiz Zerbini — Paisagens ruminadas, em cartaz a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Como o artista é muito organizado e tem boa parte das obras digitalizadas, Clarissa conseguiu navegar por um universo que abrange desde a produção dos anos 1970 até obras mais recentes. O resultado é uma mostra que é também um panorama da produção desse paulista de 65 anos, considerado um dos nomes mais importantes da arte brasileira contemporânea.
A curadora conta que, quando recebeu o convite de Zerbini, não tinha a expectativa de montar uma exposição panorâmica. “Mas quando a gente começou a conversar, nós começamos a fazer um percurso que consistiu em rever o arquivo dele dos anos 1970 até hoje”, diz Clarissa. “Fomos revisitando as obras antigas e, à medida que fomos fazendo esse passeio, fomos ficando com vontade de explorar justamente o que conecta não só diferentes períodos, como diferentes tipologias, diferentes séries e técnicas.” Durante a pesquisa nos arquivos, a dupla percebeu como um método específico no processo de criação conectava toda a produção: a volta constante a certos tipos de paisagens para a elaboração de uma imagem.
Esse retorno incessante é o que os dois combinaram de chamar de ruminação. “O Luiz diz que viver é ruminar paisagens. Ele se posiciona em determinado território, se alimentando desse lugar vagarosamente, redigerindo aquilo e, cada vez que ele mastiga, muda a relação dele com aquele território e com o que ele vê. Essa ruminação de voltar a certos elementos, composições e espacialidades que o trabalho nos dá a ver é uma posição ética do artista diante do mundo. Uma pessoa que dedica sua vida a permanecer pensando esse mundo incansavelmente”, avalia a curadora.
Zerbini brinca que é sempre revelador ver o trabalho pelos olhos de outra pessoa. “A escolha da Clarissa é uma visão que traduz uma ideia de que eu tinha e que é muito mais complexa na minha cabeça do que na dela”, explica o artista. “Então o resultado final é uma coisa que parece bem coerente. Eu, de dentro de mim, não tinha essa visão, essa coerência.” Com 140 obras, a exposição está dividida em cinco núcleos nos quais o artista revelia algumas das ideias seguidas para a concepção das pinturas. Os núcleos — “viver é ruminar paisagens”, “o lugar de existência de cada coisa”, “da natureza alegórica da paisagem: massacre de Haximu e Primeira Missa”, “eu paisagem” e “não é só sobre o que se vê” — reúnem as estratégias pictóricas e simbólicas exploradas pelo artista.
O artista encara a paisagem como um fundo, como se a tela fosse o próprio cenário ao qual acrescenta elementos, mas também no qual reflete sobre o Brasil, o meio ambiente e os caminhos que se desdobram para uma humanidade imersa em crise climática. “É uma paisagem exuberante totalmente relacionada ao Brasil, ao que era o Brasil, que nem sei se é isso hoje. A gente está vivendo um momento catastrófico, crucial”, lamenta Zerbini, que acaba de lançar o livro Sábados, domingos e feriados, uma compilação de aquarelas realizadas durante a pandemia.
Luiz Zerbini — Paisagens Ruminadas
Visitação até 10 de novembro, de terça a domingo, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB – SCES Trecho 2). Classificação indicativa livre. Entrada gratuita, mediante ingresso disponível no site bb.com.br/cultura ou na bilheteria física do CCBB
Luiz Zerbini — Sábados, domingos e feriados
De Luiz Zerbini. Cobogó, 224 páginas. R$ 145
Três perguntas// Luiz Zerbini
Em algumas obras da exposição, a paisagem aparece transformada, recriada, às vezes bastante ancorada em elementos abstratos. Mas elas têm uma origem bem figurativa. De onde vêm essas paisagens?
Elas estão na minha retina, são a memória de coisas que vivi na infância, na vida, e às quais acrescento elementos que vou enriquecer com significados, ideias e propostas. É uma paisagem que acho a mais linda do mundo, a mata, o Cerrado, a Amazônia, o Pantanal, os biomas brasileiros. Tem muito dessa natureza do Brasil e, ao mesmo tempo, todos os conflitos gerados por nós, homens, que não soubemos lidar com essa natureza, já que estamos destruindo tudo.
E, quando você começou a olhar para a paisagem, nos anos 1970, se dava conta disso?
A gente sabe disso há muitos anos, só que nós perdemos a chance. E é uma coisa (no meu trabalho) que não era evidente. Agora, esses problemas se exacerbaram e ficou tudo à flor da pele. Estou percebendo que é uma coisa que está na cara da gente e, de alguma maneira, eu estava olhando. Eu entendo o mundo pelo olhar. E isso acabou, de alguma maneira, traduzido.
O livro é um retorno a essa origem de pintura de cavalete?
Nesse livro tem o tal DNA de tudo. Eu venho daí. Quando comecei a pintar, era esse tipo de relação: eu, meu material, uma telinha olhando a natureza. Aí não tem compromisso nenhum, galeria, museu, colecionador. É uma relação íntima minha com meu trabalho. Aí está a essência de tudo, dá um foco, é o que eu quero e procuro.
O que muda quando há um compromisso com galerias, museus e colecionadores?
Depois que você se torna um artista profissional, tudo muda. São outras relações, outros interesses entram, e você vira outra pessoa. As pinturas ficaram maiores, e existem questões do mundo, políticas, filosóficas e sentimentos vários que passam a fazer parte do trabalho. Então, o que tem na exposição e o que aparece nas paisagens é meio que isso tudo. De alguma maneira, arranjei um jeito de incluir todas essas informações nas paisagens que pinto hoje em dia.
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